Que palavras poderei buscar para vos aquentar o coração? Um santo, no sermão desta festa, bradava: — Oh! que nenhumas palavras acho com que possa falar da Palavra Eterna e Verbo Encarnado! Assim eu também não vos sei declarar o que havemos de sentir deste suavíssimo Nascimento. Porém, quero-vos pôr uma comparação. Se houvesse muitos anos que o sol não nasceu nem apareceu nas terras, e estivéssemos todos não somente às escuras e em espessas trevas mas também carregados de ferro, tremendo com frio e em suma tristeza, e, estando assim, subitamente nascesse o sol mui resplandecente, alumiando-nos, aquentando-nos, quebrando nossas cadeias e prisões, que vos parece quão grande alegria e consolação seria a nossa?
Pois, irmãos, tais éramos, espiritualmente, antes que nascesse o sol que hoje nasceu e veio alumiar as trevas e cegueira de nossa alma; veio aquentar a frieza de nosso coração, o qual estava feito um regelo no amor de Deus e das cousas eternas; veio quebrar as cadeias de nossos pecados. (...)
As maravilhas desta clara noite excedem todas quantas viram os antigos Servos de Deus: porque, como diz um Santo, os nossos padres antigos muitas e grandes maravilhas de Deus viram. O Céu lhes orvalhou manjar de Anjos para seu mantimento. O Mar Roxo se lhes abriu em carreiras para que pudessem passar a pé enxuto. O rio Jordão se retirou para a fonte donde nascia para lhes dar livre passagem. Os muros fortíssimos da cidade de Jericó caíram subitamente a som de trombeta. O Sol se deteve no Céu por um grande espaço sem se mover, para que o povo de Deus, que pelejava contra seus inimigos, acabasse de os destruir. Estas e outras maravilhas viram: mas não lhes foi dado ver a verdadeira Luz Eterna, coberta com a nuvenzinha de carne de menino e posta em um presépio por amor de nós.
Bartolomeu dos Mártires
[extracto do Catecismo distribuído no sínodo bracarense de Novembro de 1564. in Antologia de Espirituais Portugueses. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1994]
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